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Arquivo diário: 23/06/2011

Especialistas em comportamento de consumo, Gerald Zaltman, focaliza a “cocriação” dos clientes

Você já se perguntou o que acontece quando temos um pensamento? Uma das respostas é que um conjunto de neurônios conectados é ativado. Um pensamento, porém, só adquire significado em função de outros aos quais está ligado. Assim como um dicionário não nos conta uma história, um pensamento isolado tem pouco sentido; é necessária uma combinação de conjuntos de neurônios. Às vezes, quando os clusters neuronais são coativados e associados, a combinação entre alguns deles resulta em outro cluster significativo, e assim nasce um novo pensamento.

Chamo a esse processo “cocriação”. Trata-se do surgimento de novos pensamentos a partir de pensamentos independentes que se encontram e produzem outro significado. Uma nova combinação de neurônios – um novo circuito neuronal – emerge desse encontro. Concebe-se um novo espaço ou domínio, integrado por elementos selecionados de cada um dos dois (ou mais) domínios antes independentes. E uma ou mais ideias emergem da combinação desses espaços.

Por exemplo, uma pessoa que está procurando um veículo robusto poderia se deparar com um aviso que mostre a suspensão de um caminhão. O conceito de “robusto” (um benefício do produto) interage com a informação que envolve a suspensão (um atributo do produto) para produzir uma nova ideia: a da liberdade para dirigir em todo tipo de terreno, ao mesmo tempo que as noções de “robusto” e “sistema de suspensão” permanecem retidas como parte desse esquema modificado.

Observe que não é necessário mencionar no aviso “a liberdade para dirigir em todo tipo de terreno” para que isso venha à mente. Na verdade, é provável que o pensamento seja mais poderoso se a ideia vier à mente do consumidor por meio da cocriação.

O papel da memória reconstrutiva
A codificação, o armazenamento e a recuperação de informação que estão em nossa memória são centrais para a formação de nossas representações conscientes da vida diária. A memória – particularmente a episódica – não é um acontecimento fixo como uma foto, embora guarde similaridades com esta, como o fato de poder velar, desbotar ou estar fora de foco. Na realidade, comprometemos a memória como se nossa mente tivesse a própria versão do Photoshop.

O ato de recordar envolve uma reconstrução de informação que leva à distorção. Tecnicamente, cada vez que relembramos um acontecimento, um conjunto diferente de neurônios intervém, pois cada evento da memória é sensível ao contexto e fornece a repetição de um evento mental ou físico similar, mas não idêntico. As diferenças costumam ser triviais, porém às vezes podem ter consequências enormes, mesmo que a pessoa que recorda não tenha consciência das mudanças ou de sua magnitude.

Uma questão importante é o que acontece durante um processo reconstrutivo da memória, o que o desencadeia e determina seu conteúdo. Uma resposta simples é a cocriação ou combinação dos estímulos imediatos com o conhecimento prévio para recriar uma experiência ou acontecimento anterior.

Uma conclusão fundamental aqui é que os chamados estímulos imediatos, como a informação sobre a suspensão do caminhão, são significativos para o indivíduo e se encaixam em sua estrutura de conhecimentos. A mescla de estímulos prévios armazenados e novos estímulos é a chave da cocriação (veja exemplo no quadro).

A lembrança da publicidade
Realizei uma pesquisa com Kathryn Braun-LaTour para avaliar o impacto da publicidade nas crenças. Pedimos às pessoas recrutadas para o experimento que respondessem por telefone a um simples questionário sobre suas atitudes e crenças a respeito de um tema de saúde específico. Elas então foram convidadas a ir a um laboratório, onde se dividiram em três grupos: um de controle, um que veria um comercial da marca A e outro que veria um comercial da marca B.

Depois de uma atividade inicial de distração, foram informadas de que estavam participando de uma experiência sobre memória. Foi-lhes entregue uma versão impressa do mesmo questionário e pediu-se que se esforçassem para fornecer as mesmas respostas dadas dias antes pelo telefone. Dois ou três dias depois da visita ao laboratório, elas voltaram a ser contatadas por telefone e as mesmas perguntas foram formuladas pela terceira vez, mas sem menção a uma experiência sobre memória.

O argumento do comercial A tentava produzir ou fortalecer entre os consumidores um pensamento até então ausente. Isso foi conseguido, como ficou evidenciado pela modificação de sua lembrança das respostas iniciais. O grupo de controle não demonstrou mudanças estatisticamente significativas. Entretanto, os que assistiram aos comerciais exibiram diferenças importantes, consistentes com o impacto procurado pelo comercial A e pelo comercial da concorrência para a marca B, e essas diferenças persistiram dois ou três dias depois. Para que fique claro: não foi perguntado aos participantes nada sobre os comerciais em si, nem sobre seu conteúdo, nem se tinham gostado deles. Só lhes foi pedido que repetissem o que tinham dito sobre suas atitudes e crenças em relação ao tratamento de uma doença.

O ponto básico é que esses processos de cocriação – o surgimento de novos pensamentos quando os pensamentos existentes se encontram e se combinam com novos estímulos – ajudam a produzir lembranças modificadas, e os pensamentos ou combinações recém-criados passam a fazer parte do que se recorda como experiência prévia. A consequência é que as pessoas às vezes se lembram de ter tido um pensamento que na realidade não tiveram e até lhes atribuem peso significativo, ou se lembram mal do peso que atribuíram aos pensamentos expressos anteriormente.

A cocriação – combinação de pensamentos para produzir um novo – é crucial para gerar valor. Esses pensamentos que se encontram podem envolver experiências passadas ou esquemas de conhecimento antes não relacionados, ou a combinação de uma experiência passada com um novo estímulo. Em ambos os casos, temos consciência do novo pensamento ou conjunto de pensamentos, e esse processo se mostra muitíssimo facilitado pelo uso de metáforas.

Os temas da mente inconsciente analisados aqui não são novos, porém a maneira como estão entretecidos não foi totalmente valorizada. Entender isso melhor pode nos ajudar a aprofundar o conhecimento sobre a conduta do consumidor e melhorar os métodos de pesquisa e prática do Marketing. Espero que muito em breve as companhias estejam em condições de “colher” o inconsciente para criar valor para a empresa e para a sociedade.

Por HSM Management/Gerald Zaltman é professor da Harvard Business School.

 

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